Por: Nzongo Bernardo dos Santos

Jornal ÉME – Luanda – 08.10.2025 – Reza um anexim latino que “o tempo deixa perguntas, mostra respostas, esclarece dúvidas, mas, acima de tudo, traz verdades”. Desta vez, o tempo trouxe uma verdade até então desconhecida por muitos de nós.

Precisamos preservar o reencontro com as nossas referências de patriotismo, de amor e de orgulho de ser angolano, algo imprescindível para que o amor à pátria não se venda por qualquer ninharia.

É verdade que, em alguns casos, o sofrimento pode tornar amargo aquele que sofre pela pátria, mas em muitas outras situações, pode enobrecer quem sofre pelo orgulho de ser angolano.

Essa ideia resume bem a história de superação e resiliência de José Armando Sayovo, que em 1998, aos 25 anos de idade e ao serviço das Forças Armadas Angolanas com a patente de sargento, foi vítima de um nefasto acidente: uma mina antitanque roubou-lhe a visão, deixando-o cego para o resto da vida.

Coube-me a honra de ser o sorteado pela Redacção do Jornal ÉME para realizar a cobertura da inauguração feita pelo Presidente da República, João Lourenço, do primeiro Centro Desportivo Nacional de Alto Rendimento do País, que leva o merecido nome do ícone do desporto adaptado a nível global.

Na ocasião, tive uma breve conversa informal com José Armando Sayovo , ou melhor, o “Sayouro”, como passou a ser carinhosamente chamado pelo povo angolano após a conquista inédita das três medalhas de ouro nos Jogos Paralímpicos de Atenas 2004.

Aquele momento não foi apenas marcante. Foi, sem dúvida, um dos mais significativos da minha vida nos últimos dez anos de desafios e angústias. Estar ao lado de Sayovo me fez sentir maior, orgulhoso, e com o desejo de um dia ter a sua coragem e determinação.

Curiosamente, ouvi pessoalmente do próprio Sayovo que, em umbundu, seu nome significa “Pai da Liberdade” ou “Pai da Independência”.

As vitórias, os feitos, as medalhas conquistadas, bem como as quarenta e duas vezes que Sayovo subiu ao pódio, entre mundiais, campeonatos africanos, jogos olímpicos e meetings internacionais, me fizeram respeitar e valorizar ainda mais a nossa Independência, que neste ano celebra cinquenta anos.

A vida é feita de imprevistos, novidades e contratempos. Grande parte das pessoas não gosta daquilo que não conhece ou não controla. Quem acredita no destino sabe que, quase sempre, ele nos prega partidas quando menos esperamos.

Aquele fatídico acidente que roubou a visão de José Armando Sayovo não retirou a sua ambição, não roubou seus sonhos, e não abalou a sua essência.

Sayovo não permitiu que a perda inesperada da visão mudasse sua forma de ser e de estar na vida, nem que lhe tirasse um dos maiores activos do ser humano: a força interior. Mais do que um desportista angolano respeitado e admirado, Sayovo é uma lição viva de vida.

Com ele, podemos aprender a ver e a mudar nossa visão sobre Angola, sobre o estado actual da nossa sociedade, e sobre o papel, a força e o impacto que o desporto adaptado, símbolo de inclusão e inserção social, pode ter no resgate e reforço dos nossos laços de cidadania e de convivência entre filhos e filhas de uma só pátria, uma só nação e um só povo.

A capacidade de José Sayovo de lutar para ultrapassar as suas limitações sem medo de atingir os seus limites deveria ensinar a todos nós que os limites existem para serem superados, e que a verdadeira força está em não desistir, mesmo quando tudo parece perdido.
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Em algum momento, a capacidade de José “Sayouro” de lutar para ultrapassar as suas limitações, sem receio de atingir os seus próprios limites, deveria ensinar-nos a assumir a nação como um todo inseparável, feito de partes iguais, por mais contraditórios que sejam os seus interesses, por mais difícil que seja o encaixe e a movimentação das peças num tabuleiro sem regras, mas onde todos devem ganhar, sem que ninguém saia a perder.

Essa utopia, por vezes, parece inatingível não pelas diferenças naturais entre nós, mas pelos obstáculos artificiais que nos são colocados desnecessariamente no caminho, justamente por aqueles que deveriam fazer o contrário, desimpedir a via, abrir espaço para que o cortejo da vida em sociedade possa passar livremente, sem outros condicionalismos além dos que são compreensíveis e aceitáveis.